Os rostos de alguns artistas são tão reconhecíveis quanto sua arte. Veja o Vincent Van Gogh, por exemplo. Quase qualquer pessoa reconheceria sua pintura A Noite Estrelada—mas você provavelmente também reconheceria seu auto-retrato que apresenta seu olhar solene e sua barba vermelha como fogo. E as coroas de flores e as sobrancelhas inconfundíveis da Frida Kahlo a tornam instantaneamente reconhecível em seus muitos auto-retratos. 

Desde o século XV os artistas têm utilizado auto-retratos como uma forma de auto-expressão. Mas o que é um auto-retrato? Abaixo, vamos explorar uma definição de auto-retrato e também exemplos famosos. 

Um dos muitos artistas de auto-retrato famosos, Vincent Van Gogh, criou esse auto-retrato em 1889, apresentando seu inconfundível olhar solene e barba vermelha.
Um dos muitos artistas de auto-retrato famosos, Vincent Van Gogh, criou esse auto-retrato em 1889, apresentando seu inconfundível olhar solene e barba vermelha.  

O que é um auto-retrato? 

A definição simples de auto-retrato é um retrato de um artista criado pelo(a) próprio(a) artista. (E caso você esteja se perguntando, na arte, a definição de “retrato” é uma pintura, desenho, fotografia ou gravura de uma pessoa.) 

Mas se você perguntar a um artista, “O que é um auto-retrato?”, você provavelmente terá uma resposta mais complexa. Para artistas, a arte do auto-retrato representa o artista inteiro — em outras palavras, como ele se vê, o que ele está sentindo e como ele quer ser visto pelos outros. Não é necessariamente a criação de uma imagem realista de si mesmo(a); em vez disso, é muitas vezes um exercício de auto-exploração

A história da arte do auto-retrato 

Antes do século XV, o auto-retrato era encontrado aqui e ali, mas não se tornou um gênero estabelecido até o início do Renascimento, quando espelhos bons e mais baratos se tornaram mais disponíveis. 

Os artistas têm experimentado pintar a si mesmos desde a primeira onda de auto-retratos, passando da pintura para as câmeras, e mais tarde, outras tecnologias ao procurarem criar representações novas e mais inovadoras de si mesmos. 

Outro exemplo da arte do auto-retrato, a obra “As Duas Fridas
Outro exemplo da arte do auto-retrato, a obra "As Duas Fridas", de Frida Kahlo, apresenta as duas personalidades diferentes de Frida. 

A diferença entre uma selfie e um auto-retrato

Mais de 93 milhões de selfies são tiradas a cada dia, mas será que as selfies são o mesmo que auto-retratos? A maioria dos artistas diria que há uma diferença entre os dois, embora eles possam se sobrepor. 

Tradicionalmente tiradas à extensão do braço ou em um espelho, as selfies são inerentemente substituíveis. Se você não gostar da foto que tirar, pode tirar outra imediatamente. Para muitos artistas, os auto-retratos verdadeiros são mais deliberados e introspectivos, e geralmente levam mais tempo e exigem mais esforço para serem criados. 

No entanto, isso não quer dizer que os artistas não possam usar selfies como um auto-retrato. Um(a) artista pode certamente escolher representar a si mesmo(a) através de selfies, mas geralmente são considerados dois tipos de arte diferentes. 

Qual é o propósito do auto-retrato? 

A finalidade de um auto-retrato depende em grande parte do artista. Para alguns, se trata de acessibilidade. Quando perguntada por que ela se fotografou, a falecida Francesca Woodman disse: “É uma questão de conveniência. Eu estou sempre disponível”. Outros artistas de auto-retrato famosos começaram, pelo menos em parte, por razões semelhantes. 

“Eu era o modelo mais fácil e mais barato de se lidar — primeiro olhando o meu reflexo no espelho e depois tirando fotos de mim mesmo”, explica o pintor de Atenas Nikos Gyftakis

Para outros artistas, pode se tratar mais de uma oportunidade para brincar e experimentar novas técnicas. Quando você está sozinho, tem o tempo todo no mundo e pode trabalhar sem prazos. Ainda outros usam a arte do auto-retrato para reformar o seu senso de identidade ou para estimular a autoaceitação. Eles querem se esforçar emocionalmente para se verem com uma nova perspectiva.

Exemplos de auto-retratos

Os auto-retratos podem assumir muitas formas, desde uma fotografia tradicional à arte abstrata. Abaixo, vamos explorar exemplos de fotografia e arte de auto-retrato de quatro artistas de auto-retrato famosos que se especializam no gênero: o pintor Nikos Gyftakis e as fotógrafas Mariell Amélie, Patricia Lay-Dorsey e Jocelyn Allen

Fotografia de auto-retrato

Mariell Amélie

Esse auto-retrato de artista feito por Mariell Améli mostra a artista em uma paisagem natural, rodeada por flores. | Image © Mariell Améli
Esse auto-retrato de artista feito por Mariell Améli apresenta a artista em uma paisagem natural, rodeada por flores. | Imagem © Mariell Améli

Nascida e criada na pequena ilha norueguesa de Andøya, Mariell Amélie começou a fazer auto-retratos aos quatorze anos, em uma “webcam muito pixelada” no computador construído por seu pai. Quando ficou mais velha, ela passou a utilizar as paisagens naturais que rodeavam sua casa, muitas vezes acompanhada por seu pai, que atuava como assistente. 

Na época, seus auto-retratos ofereceram a ela a chance de habitar uma paisagem imaginária, onde qualquer coisa era possível. “Eu queria criar um mundo no qual eu não vivia, mas sobre o qual eu fantasiaria”, diz ela. “Eu estava construindo um mundo onde eu poderia ser exatamente quem eu queria ser. Eu me esquecia do tempo e lugar por sete horas e nem percebia que o mundo passava enquanto estava fotografando”. 

Hoje em dia, a Mariell Amélie trabalha em todos os gêneros, desde paisagens até moda e interiores. Mas os auto-retratos sempre terão um lugar no seu coração, especialmente agora que ela se mudou de Andøya para Londres. “Sempre que estou em casa, eu mergulho direto no modo de auto-retrato. Passo dias testando ideias diferentes", diz ela. 

“Os meus auto-retratos certamente têm sido meu subconsciente me dizendo que estou profundamente ligada a Andøya, pois todos as minhas fotos são criadas em paisagens e casas vazias que você pode encontrar por lá. De certa forma, talvez tenha sido isso que me manteve alicerçada nos dez anos que eu passei em Londres”. 

Patricia Lay-Dorsey

Na obra de auto-retrato de Patricia Lay-Dorsey, ela ficou cara a cara com o seu diagnóstico de esclerose múltipla | Do livro Falling into Place © Patricia Lay-Dorsey
Na obra de auto-retrato de Patricia Lay-Dorsey, ela ficou cara a cara com o seu diagnóstico de esclerose múltipla | Do livro Falling into Place © Patricia Lay-Dorsey

Patricia Lay-Dorsey foi diagnosticada com esclerose múltipla progressiva crônica em 1988. Vinte anos depois, ela começou a fazer auto-retratos, um exercício que ela continua até hoje. “O ato físico de tirar uma foto é a parte mais fácil de tirar auto-retratos”, ela nos diz. “O que pode ser mais difícil é olhar as fotos no seu computador depois de baixá-las. O que você vê lá é o que outras pessoas vêem e geralmente não reconhecemos isso. 

“Quando eu estava tirando os auto-retratos para o meu livro "Falling into Place", ver meu corpo e os dispositivos assistivos que preciso usar foi a parte mais desafiadora do processo. Logo percebi que estava vivendo em negação desde que recebi o diagnóstico, porque agora eu tinha que encarar aquilo que os outros enxergavam. Isso significava assumir a minha identidade como pessoa deficiente. Por mais difícil que tenha sido, foi transformador. Eu não seria quem sou hoje se não tivesse realizado esse projeto”.

Na sua obra de auto-retrato, Patricia Lay Dorsey tinha o objetivo de ver cada momento da sua vida como digno de ser notado. | Do livro Falling into Place © Patricia Lay-Dorsey
Na sua obra de auto-retrato, Patricia Lay Dorsey tinha o objetivo de ver cada momento da sua vida como digno de ser notado. | Do livro Falling into Place © Patricia Lay-Dorsey

“Ao trabalhar no projeto do meu livro Falling Into Place, o ato consciente de ver cada momento da minha vida como digno de ser notado me fez acordar todas as manhãs animada e com a pergunta na minha cabeça: ‘O que devo fotografar hoje?” diz Lay-Dorsey. “Ao invés de ver os sintomas da esclerose múltipla progressiva crônica com a qual eu vivia como algo negativo, eles se tornaram algo positivo porque me davam temas únicos para capturar com a minha câmera. Ver a minha vida como arte não apenas mudou meu ponto de vista como artista, mas minha atitude em relação à minha vida”.

Jocelyn Allen

Através de sua obra de auto-retrato, Jocelyn Allen aprendeu a aceitar a si mesma e o seu corpo. | Keep Your Friends Close And Your Towels Closer © Jocelyn Allen
Através de sua obra de auto-retrato, Jocelyn Allen aprendeu a aceitar a si mesma e o seu corpo. | Keep Your Friends Close And Your Towels Closer © Jocelyn Allen

O auto-retrato pode ser assustador, mas também pode ser emocionante. Quando a fotógrafa Jocelyn Allen começou a tirar fotos de si mesma, ela achava que era um projeto de curto prazo, mas aprendeu que quanto mais ela fazia isso, mais ela crescia criativamente e emocionalmente. 

“A primeira vez que eu incluí fotos de nudez/fotos minhas na minha roupa de baixo em um projeto, me senti muito constrangida de publicar o projeto, especialmente no meu Facebook, pois eu sabia que as pessoas da minha adolescência o veriam”, recorda ela. 

“Depois fiz uma série subsequente na qual incluí entradas de um diário de 10 anos antes, e me senti ainda mais constrangida com as pessoas vendo isso do que as imagens de nudez. Mas como esses projetos se tratavam de aprender a amar a mim mesma e o meu corpo, esses eram passos que eu tinha que dar”. 

O trabalho de Allen lida com a ansiedade como um conceito central, e ela diz que o processo foi terapêutico. Ao mergulhar de cabeça nos seus medos, ela aprendeu que tem a força para superá-los. “Os meus auto-retratos me ajudaram a aceitar mais a mim mesma e o meu corpo, embora eu ache que será sempre um trabalho em andamento até que eu me sinta completamente em paz comigo mesma”, ela nos diz.  

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Arte do auto-retrato

Nikos Gyftakis

Os auto-retratos de Nikos Gyftakis usam formas e cores únicas para experimentar com o elemento do tempo. | Self portrait V, pastel de óleo sobre tela © Nikos Gyftakis
Os auto-retratos de Nikos Gyftakis usam formas e cores únicas para experimentar com o elemento do tempo. | Self portrait V, pastel de óleo sobre tela © Nikos Gyftakis

Os auto-retratos são raramente estagnados. Eles mudam e evoluem à medida que um artista passa por transições de uma etapa para a próxima. “Eu cheguei à conclusão de que o auto-retrato é um assunto inesgotável”, nos diz Gyftakis. “Quanto mais analiso as formas, as cores e as linhas do meu rosto, mais fácil é gerar novas soluções estéticas. E quanto mais me aprofundo, surgem novas perguntas.

“Meus auto-retratos foram minha primeira tentativa bem-sucedida de comunicar minha filosofia e de entender como vejo o mundo como um artista. Eles também me ajudaram a experimentar com o elemento do tempo. 

O fluxo constante de cores e energia neste auto-retrato representa a psique de Nikos Gyftakis. | “ Self portrait I,” pastel de óleo sobre tela © Nikos Gyftakis
O fluxo constante de cores e energia neste auto-retrato representa a psique de Nikos Gyftakis. | “Self portrait I,” pastel de óleo sobre tela © Nikos Gyftakis

“Por um lado, eu criei tantos auto-retratos em diferentes épocas e idades na minha vida, que  já cataloguei a marcha do tempo e da maturidade das minhas habilidades de pintura. Por outro lado, eu me formo meus auto-retratos de tal forma que minha experiência — meu passado, presente e futuro se misturam. Esse fluxo constante de cores e energia representa a paisagem do meu psique”.

Ele nos diz: “A parte mais difícil de criar um auto-retrato é ser objetivo e revelar lados seus que podem estar bem escondidos. A parte mais gratificante é de ter sucesso com isso”. 

Com toda essa inspiração, você pode estar se perguntando como desenhar um auto-retrato de si mesmo. Na verdade, não existem regras, mas se você precisar de alguma orientação, não deixe de conferir os muitos cursos da Skillshare sobre a arte do auto-retrato. 

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Feature Shoot

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